Suplementação no momento certo

 

Adotar a prática entre as vacas de cria após a desmama melhora os índices de prenhez na estação seguinte.

Se você sugerir a um criador para suplementar suas vacas de cria ele certamente torcerá o nariz. Há um conceito difundido de que a estratégia não se sustenta economicamente. Em parte é verdade. “Há fazendas que suplementam com índices maravilhosos de prenhez, mas com a conta no vermelho”, afirma Ed Hoffmann Madureira, professor da FMVZ – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Para garantir retorno do investimento, que se traduz principalmente pelo aumento na taxa de prenhez, mas também na gestação de um bezerro com bom potencial de ganho de peso, é preciso escolher o momento certo para fornecer o concentrado para as fêmeas prenhes. “O ideal é que a suplementação seja feita logo após o desmame, quando a exigência da vaca cai bastante, demandando menor aporte nutricional, e o metabolismo está voltado exclusivamente para si, o que se reflete no ganho de peso”, afirma.

Acertar no período de se fazer a suplementação é uma medida imprescindível para o sucesso da técnica, mas não a única. É preciso saber em quais circunstâncias o investimento vale a pena. Vacas muito magras, que estejam num pasto rapado, por exemplo, exigirão grandes quantidades de concentrado no cocho, além do fornecimento de alimentos volumosos. “Recuperar o peso dessas fêmeas é possível, mas a um custo tão alto que pode se tornar inviável”, afirma. Para Madureira, a decisão deve passar pelo que os especialistas chamam de EEC (escore da condição corporal), que nada mais é do que uma avaliação das reservas corporais do animal, baseada na observação visual, e que indica o quanto ele está gordo ou magro, numa escala que varia de um a nove (mais comum).

Nem muito magra, nem muito gorda

Para o professor, o escore cinco (na escala de um a nove) deve servir como farol, pois é indicativo de uma boa condição corporal, nem muito gordo nem muito magro, suficiente para que uma vaca prenhe suporte razoavelmente o déficit negativo de energia após a parição. “Ela terá condições de amamentar bem o bezerro e retomar rapidamente a atividade cíclica para emprenhar no início da estação de monta seguinte”. Para as matrizes que estiverem com esse escore, basta uma suplementação leve, com um pouco de proteína, apenas para garantir a manutenção do peso. Normalmente basta o fornecimento de suplementos minerais com ureia.

A partir de qual escore seria viável economicamente suplementar uma vaca de cria para que atinja a nota cinco? Para Madureira, a resposta está no degrau imediatamente anterior, nas fêmeas de ECC 4. “É possível melhorar significativamente os índices reprodutivos dessas fêmeas somente com um pequeno ajuste na sua condição corporal”, diz. Segundo o professor, apenas 40% das matrizes de escore quatro emprenham na primeira tentativa de inseminação artificial, taxa que muitas vezes não ultrapassa os 60% ao final da estação de monta. Com a mudança de escore, os percentuais podem saltar para 60% e 90%, respectivamente.

Investimento que se paga

Mudar o escore de condição corporal de quatro para cinco representa adicionar em torno de 45 kg ao peso da matriz. Para que a conta feche no azul, o caminho é partir para o emprego de suplementos minerais proteicos, que contenham, além de ureia, fonte de nitrogênio não-proteico, farelos ricos em proteína, como soja, algodão ou subprodutos disponíveis na região que sejam fontes de proteína verdadeira, cuja função é estimular a ingestão de matéria seca pelo animal (veja Box) e, consequentemente, o ganho de peso. Por esta razão é imprescindível que o criador tenha um bom manejo da pastagem. “É fundamental que haja uma boa reserva de forragem para a vaca ganhar peso. Do contrário a estratégia fica comprometida”.

Para que a suplementação fique dentro do período mais adequado para o acúmulo de gordura da fêmea prenhe, o ganho de peso diário deve ficar ao redor de 600 g com um arraçoamento que se estenda por 75 dias (600 g x 75 = 45 kg). Para atingir essa meta é preciso balancear a dieta, levando-se em conta a exigência nutricional do animal. No caso de uma vaca Nelore de 400 kg, por exemplo, isto significa usar uma mistura que forneça 522 g de proteína metabolizável/dia e 9,1 Mcal/dia de energia/dia, segundo recomenda a literatura.

O professor propõe exemplo de dieta que atenda a essa demanda e tenha viabilidade econômica. Acompanhe os números, levando-se em conta o valor da tonelada (veja tabela): 0,8 kg de farelo de soja (R$ 1,03/dia), 0,6 kg de milho (R$0,33) e 60 g de ureia pecuária (R$ 0,05). Somando os valores, o custo da suplementação é de R$ 105 por vaca para um ganho de 1,5@ (R$ 210) em 75 dias. Como o objetivo é melhorar o índice de prenhez, a mudança de escore quatro pode representar um ganho adicional de 20 a 30 bezerros a cada 100 vacas em reprodução, considerando o aumento médio que se consegue na taxa de prenhez (20% a 30%).

Desmama até os sete meses

A resposta para o porquê suplementar as matrizes após a desmama está em seu metabolismo e no desenvolvimento do feto que carrega em sua barriga. Em primeiro lugar, é preciso que a fêmea consiga manter uma boa condição corporal após a parição, garantia de que terá leite suficiente para criar bem o bezerro e conseguirá reconceber mais rapidamente. Para isso, é preciso que a matriz acumule reservas na forma de gordura, o que depende de seu atual estágio de gestação. A suplementação não deve ser feita com sua cria ao pé, porque, neste caso, o suplemento pouco efeito surtiria sobre a recomposição do peso corporal da matriz, uma vez que a energia do alimento seria direcionada principalmente para a amamentação da cria.

Segundo Madureira, o bezerro deve ser apartado da mãe no máximo até os sete meses. Isto porque, considerando que a vaca tenha sido emprenhada por volta dos 60 dias após o parto, o feto na barriga da mãe terá em torno de cinco meses. “Entre o quinto e o sétimo meses de gestação, o feto ainda é relativamente pequeno e exige pouco das reservas da vaca, que consegue ganhar peso se for suplementada”, afirma.

Esse período, a despeito da menor exigência, é crucial para o desenvolvimento do feto. No quinto mês, acontece o pico do que os especialistas chamam de “miogênese secundária”, caracterizada pela multiplicação do número de células musculares (hiperplasia). “É o que permitirá que o bezerro tenha uma boa musculatura, o que estará diretamente relacionado a seu desempenho nas fases de crescimento e engorda”. Caso o tecido muscular não esteja bem formado, o bezerro nascerá “mirrado”, com menor potencial para o ganho de peso. Se a suplementação fosse postergada, por sua vez, a estratégia coincidiria com o terço final da gestação, período em que a exigência nutricional da vaca está voltada para o bezerro que carrega em sua barriga.

O professor explica que, no terço final da gestação, o crescimento do feto é bastante acelerado, pois ocorre a hipertrofia muscular e a adipogênese, dois fenômenos que demandam muitos nutrientes e, portanto, elevam as exigências nutricionais da vaca. Após o parto, por sua vez, os nutrientes são voltados para a amamentação da sua cria. “Por esta razão acredito que o melhor momento para a suplementação da vaca seja logo após o desmame, quando a vaca tem toda condição de recuperar sua condição corporal para enfrentar um novo parto e uma nova concepção”.

 

Suplementação para abrir o apetite

A estratégia de suplementação para as vacas de cria depende de uma condição razoável da pastagem, uma vez que, para ser viável economicamente, a forragem deve ser a base da dieta. Como o período indicado para fornecer o suplemento é logo após a desmama, que normalmente ocorre entre os meses de abril e maio, as pastagens ainda dispõem de boa quantidade de matéria seca. O que falta é proteína, porque nesse período os capins estão no final do seu ciclo vegetativo. “O objetivo da suplementação proteica é melhorar o processo de fermentação ruminal e digestão da forragem”. Com isso, o alimento passa mais rápido pelo sistema digestivo e a vaca come mais”, explica o professor Ed Hoffmann Madureira. Segundo ele, é preciso cuidado na hora da escolha da fonte de proteína.

Muito utilizada no cocho, a ureia sozinha não é a melhor opção, pois fornece nitrogênio não proteico para as bactérias do rúmen, enquanto farelos de soja ou de algodão, por serem fontes de proteína verdadeira, são mais eficazes para melhorar o processo fermentativo do rúmen e, consequentemente, a digestibilidade dos alimentos.

*Matéria originalmente publicada na Revista DBO de novembro de 2015 (páginas 76 a 80).

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